Esta semana estreei "Razões para ser Bonita", do dramaturgo americano
Neil Labute. A peça parte da premissa de um casal onde o marido comenta
que o rosto da sua mulher é apenas "comum" comparado ao rosto de outra
mulher muito bonita. A partir daí, ela entra num processo psicológico
que a impede de ficar ao lado dele e enlouquece. Vale lembrar que ele
não disse "feia" em nenhum momento e, logo depois, afirmou que não a
trocaria por ninguém. Mas esta segunda parte ela nem ouviu. Quando
assisti à peça em Londres achei exagerado a personagem terminar um
casamento feliz, com um homem bacana (matrial raro hoje em dia), só
porque ele a acha comum. Mas resolvi confiar em Labute (afinal ele é um
homem e não tem TPM) e, pra minha surpresa, me deparei com uma reação de
revolta na porção feminina da plateia quando o marido se refere a ela
como "comum". E tudo piora quando ele tenta explicar que ela é
"bonitinha", "uma graça". A mulherada grita de espanto e raiva, como se
ser comum fosse uma ofensa, quase um desvio de caráter.
Mais interessante é observar, em São Paulo, na saída da peça, o público
que vem me cumprimentar e diz: "Você é muito corajosa de se colocar
nesta situação". Mulheres me olham com compaixão só porque fiz uma peça
sem maquiagem e deixo me chamarem de feia. Fico me perguntando: quais as
razões para se falar tanto sobre a beleza? O assunto tomou uma dimensão
maior do que sua importância real. A obsessão virou quase um caso de
saúde pública. Como se fosse garantia pra alguma coisa, como se
envelhecer não estivesse nos planos. Afinal, a ideia de feia ou bonita é
apenas opinião de uma pessoa. Também tem o olhar dos seus pais sobre
você, da escola, da namorada. A gente constrói a ideia da beleza a
partir de como somos olhadas. A beleza é comparativa. Se as princesas
não fossem lindas e todas com a mesma cara (só mudam o cabelo e a
fantasia) e a Barbie não fosse magra e alta, as crianças não iriam saber
que o padrão era aquele. Afinal, uma rainha manda arrancar o coração da
Branca de Neve só porque o espelho dise que ela era mais bela. É só a
opinião de um espelho! Se o espelho tivesse dito que a rainha era
"comum" ela ia mandar fazer o quê? Esquartejar a Branca de Neve?
"Espelho, espelho, meu, existe alguém mais bela do que eu?" Começamos
nossa infância com esta mensagem subliminar e comparativa. E logo depois
vem os I (pad, phone, touch), com seus aplicativos, Facebook,
Instagram, sites onde tudo gira em torno de fotos. Passamos os dias nos
fotografando, nos vendo, nos analisando, colocando filtros. São tantas
informações que não dá tempo de fazer tudo que nos é oferecido pelas
redes sociais. Somos escravos dos percentuais, das novas técnicas de
laser, dos novos alisamentos, das novas vitaminas com colágeno, das
dietas, das massagens. Existe hoje um aplicativo para Iphone que mede a
simetria facial e dá uma nota pro seu rosto de 1 a 10. Lá diz que o
aplicativo mede o seu "nível de beleza". Como iremos nos olhar no
espelho depois de receber um 6,5 do iPhone?Eu queria saber quem foi o desgraçado que inventou o espelho. Somos pbcecados por ele e, às vezes, a gente nem se conhece verdadeiramente, O espelho aprisiona. O espelho confirma diariamente que a pessoa não está como deveria. E se ele não existisse? Que liberdade seria... Teríamos tempo para olhar em volta. Teríamos oportunidade de sermos apenas comuns.
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